paz-com-deusMovimento Sepé Tiarajú (Embasamento Psicológico)
Anahy F. Dias Fonseca

       É bem sabido, pela psicologia, que a criança, para crescer emocional e fisicamente saudável, necessita de cuidados consistentes e confiáveis por parte, num primeiro momento, da mãe e, em seguida, do pai e/ou outras figuras significativas provedoras de cuidados. Quando isto não ocorre, a criança terá dificuldade em invocar uma imagem interna de uma figura materna continente e tranquilizadora. Esta falta criará sentimentos de vazio, tendências depressivas, dependência intensa, medo de aniquilação e raiva. Isto porque ocorre uma grave perturbação no aprendizado da confiança no vínculo amoroso. E esta perturbação levará, também, a um senso de moral empobrecido pela dificuldade que o indivíduo terá, não apenas para assimilar o código moral coletivo, como também para entrar em contato consigo mesmo e descobrir sua própria ética pessoal.
Coletivamente, o que vemos, na atualidade, segundo Joanna de Ângelis (2010), é que os notáveis avanços da ciência e da tecnologia não lograram ainda transformar o ser humano para melhor. Não obstante seja inegável o avanço da civilização, da ética, das estruturas sociais, as questões morais permanecem em plano secundário, quando deveriam ser vividas no cotidiano.
Conforme Roberto (2011), para vários autores como Émile Durkheim, a pós-modernidade marca o declínio da Lei-do-Pai, cujo efeito mais imediato no social é a anomia, onde a perversão se vê livre para se manifestar em diversas formas, como na violência urbana, no terrorismo, nas guerras ideologicamente consideradas “justas”, “limpas” ou “cirúrgicas”. A palavra tem origem grega e vem de a + nomos, donde “a” significa ausência, falta, privação, inexistência; e nomos quer dizer lei, norma. Etimologicamente, portanto, anomia significa falta de lei ou ausência de norma de conduta. A anomia é um estado de falta de objetivos e perda de identidade, provocado pelas intensas transformações ocorrentes no mundo social moderno. Segundo Roberto, Durkheim emprega este termo para mostrar que algo na sociedade não funciona de forma harmônica. Algo desse corpo está funcionando de forma patológica ou “anomicamente”. Já Zygmunt Bauman, segundo ele, diz que tem havido um “derretimento” das tradições, tais como as lealdades tradicionais, os direitos costumeiros e as obrigações. Para Bauman, “ser” para a realidade atual significa, hoje em dia, ser incapaz de parar e ainda menos de ficar parado. Na nossa sociedade de consumo desenfreado, movemo-nos e continuaremos a nos mover pela impossibilidade de atingir a satisfação. Isso acaba sendo um fator que impede qualquer tipo de esperança e busca de objetivo. O resultado é um individualismo extremado. Ser consumista e individualista é o estilo de vida dos tempos que ele chama de “líquidos”. Solidariedade e ideia de comunidade se perdem e o conceito que permeia os tempos líquidos é o da insegurança existencial, num tempo de indefinições e incertezas. Portanto, nossa cultura se encontra “no limite” predominando a dificuldade nos vínculos amorosos, no desenvolvimento de empatia, de consideração pelo outro e de consciência de si mesmo. Consequentemente, nos encontramos, dia a dia, mais frágeis e ficamos à mercê de nossos impulsos e fantasias e, muitas vezes, sendo comandados por nossos aspectos sombrios. Nosso paraíso de inconsequência, negação e satisfação de desejos tornou-se, também, nosso inferno pessoal e coletivo que dificulta nosso crescimento rumo à maturidade psicológica e espiritual.
Por tudo isso, a descoberta do herói em cada um de nós é de suma importância. Resgatar o “mito do herói” é fundamental no mundo contemporâneo. Segundo Pearson (1991), trata-se de um mito imemorial que nos une a pessoas de todas as épocas e lugares. Ele fala em saltar intrepidamente através dos limites do conhecido para enfrentar o desconhecido e ter confiança de que, quando chegar o momento, teremos os recursos necessários para enfrentar nossas dificuldades, nossos dragões, e descobrir nossos tesouros retornando para transformar o reino. Ele também fala em aprendermos a ser verdadeiros com nós mesmos e a viver em harmonia com os outros membros da nossa comunidade. Segundo a autora, as histórias a respeito de heróis são profundas e eternas. Elas ligam os nossos próprios anseios, desgostos e paixões às experiências dos que vieram antes de nós, de modo que podemos aprender algo a respeito da essência do significado de ser humano, e também nos ensinam de que forma estamos ligados aos grandes ciclos dos mundos natural e espiritual. Embora os mitos que podem dar significado a nossas vidas sejam profundamente primitivos e arquetípicos, às vezes nos inspirando terror, eles também têm a capacidade de libertar-nos de modos de vida falsos e fazer com que passemos a ter uma vida de verdade. O encontro da nossa ligação com esses padrões eternos proporciona-nos um senso de significado e importância até mesmo nos nossos momentos mais penosos e alienados, recuperando dessa maneira a dignidade da vida.
Nosso mundo apresenta muitos dos sintomas clássicos de um reino devastado: fome, danos ao ambiente natural, dificuldades econômicas, grandes injustiças, desespero e alienação pessoais e a ameaça de guerra e aniquilamento. Nossos “reinos” refletem estados de nossa alma coletiva e não apenas a de nossos líderes. Esta é uma época da história humana em que há grande necessidade de heroísmo. Tal como os heróis de outrora, ao nos tornarmos “heróis”, nós podemos contribuir para restaurar a vida, a saúde e a
fecundidade do reino. É como se o mundo fosse um gigantesco quebra-cabeça e cada um de nós que empreendesse uma jornada retornasse com um de seus pedaços. Coletivamente, à medida que todos vão dando sua contribuição, o reino é transformado.
Para Incontri (2010), o primeiro caminho para esse despertar, como de resto todas as virtudes, cujo estofo são sempre sentimentos, é o contágio de alma para alma. Um educador (pais, professores e outros adultos cuidadores) com profundos e autênticos sentimentos de fraternidade, compaixão, justiça e caridade, deixará transbordar de si sua espiritualidade, seus valores. Trata-se de despertar sentimentos e proporcionar estímulos à ação concreta. Portanto, a educação de pais, professores e crianças é a chave do progresso moral que tanto buscamos para transformar nossa realidade atual.

PROPOSTA PARA REFLEXÃO:

Quem são nossos heróis?
– Por quais causas lutaríamos?
– Quais são nossos valores? Quais foram os valores dos nossos ancestrais?
– Que valor tem a paz para mim?

Bibliografia
– ÂNGELIS, Joanna de (Espírito); FRANCO, Divaldo P.(médium). Triunfo Pessoal. 6.ed. Salvador: Livr. Espírita Alvorada Editora, 2010.
– INCONTRI, Dora (org.). Educação e Espiritualidade – Interfaces e Perspectivas. Bragança Paulista: Editora Comenius, 2010.
– PEARSON, Carol S. O Despertar do Herói Interior – a Presença dos Doze Arquétipos nos Processos de Autodescoberta e de Transformação do Mundo. São Paulo: Editora Pensamento, 1995.
– ROBERTO, Gelson L. In: Refletindo a Alma. Cap. III. Salvador: Livr. Espírita Alvorada Editora, 2011.