Se não existe nenhum argumento, nenhum preconceito, nenhum elemento de sacralidade na vida humana, nenhuma regra de natureza inviolável, nenhum princípio fundado na dignidade, enfim, nenhuma verdade moral capaz de nos impedir de matar nossos próprios filhos, o que poderá nos impedir de assassinar os nossos idosos, deficientes e doentes?
O aborto é o primeiro passo na direção da consolidação da cultura da morte. Mais alguns passos nessa direção e estaremos eliminando nossos velhos e doentes com a mesma desenvoltura de quem coloca o lixo para fora de casa.
Estou exagerando? Pense nos exemplos que darei neste texto.
A cultura da morte já predomina em países como Holanda e Bélgica, onde idosos e doentes estão cada vez mais na mira de burocratas-assassinos-bem-intencionados que fazem do Estado um instrumento moderno de “correção” dos “erros da natureza” ou “erros de Deus”.
Os defensores da cultura da morte sempre baseiam sua agenda no mais tosco utilitarismo (vide Peter Singer) e apresentam suas propostas como se, generosamente, assumissem o ponto de vista dos que são doentes demais para continuar existindo.
Exterminando os doentes
Na Bélgica, por exemplo, foi institucionalizada a eutanásia sem limite de idade. Ora, “eutanásia sem limite de idade” é simplesmente um nome técnico para infanticídio.
A Bélgica legalizou o direito à eutanásia para adultos em 2002. Em 2014 o Parlamento belga achou por bem ampliar o “direito” à eutanásia para crianças e adolescentes.
Na época 160 pediatras belgas se mobilizaram contra a lei, divulgando uma carta aberta ao Parlamento no qual questionaram, entre outras coisas, como se poderia esperar maturidade de crianças doentes diante da dilema de acabar ou não com a própria vida.
Uma reportagem da época revelou:
Um ponto bastante debatido no país foi como definir se a criança tem discernimento ou não. O texto [da lei] determina uma avaliação do médico responsável e também de um psiquiatra infantil para atestar a maturidade do paciente.
O que os belgas fizeram foi dizer a crianças confusas e em sofrimento “veja, você pode acabar com esse sofrimento quando quiser”. A pergunta que fica é: a eutanásia infantil foi uma demanda das crianças gravemente doentes ou de seus pais?
Um trecho da mesma reportagem dá uma pista:
A enfermeira belga ouvida pela Reuters, Sonja Develter, que já cuidou de cerca de 200 crianças em fase terminal, se opôs à lei. ‘Na minha experiência, eu nunca tive uma criança pedindo para acabar com sua vida’, disse.
Os pedidos de eutanásia muitas vezes vieram de pais que estavam emocionalmente exaustos depois de verem seus filhos lutarem por tanto tempo.
É óbvio que pais aflitos por não poderem mais viver como antes, talvez saudosos da vida social de outrora, projetaram seu egoísmo nos filhos e o reinterpretaram como uma “decisão soberana” de suas crianças ainda imaturas, confusas e em sofrimento.
Exterminando os velhos
Bélgica e Holanda estão na vanguarda da cultura da morte no mundo. Ambos os países começaram com a legalização do aborto e hoje já discutem as propostas mais bizarras que se pode imaginar.
Na Holanda a eutanásia é legal para crianças com mais de 12 anos caso elas tenham “o consentimento de seus pais”. E, como já especulamos acima, a eutanásia infantil interessa muito mais aos pais que cuidam de crianças doentes do que elas mesmas.
Os holandeses deram um passo além e permitiram que familiares de idosos severamente comprometidos pudessem solicitar a eutanásia em nome deles. Uma notícia bizarra da época da aprovação das leis holandesas narrou uma fuga de idosos da Holanda:
A eutanásia não desejada virou o pesadelo dos holandeses, informou a rádio oficial alemã Deustche Welle […] O novo asilo na cidade alemã de Bocholt, perto da fronteira com a Holanda, virou refúgio de muitos holandeses temerosos de que a própria família autorize a antecipação de sua morte.
Segundo a Universidade de Göttingen, 41% dos sete mil casos de eutanásia praticados na Holanda foram a pedido da família, que queria liberar-se do “incômodo”. 14% das vítimas estavam totalmente conscientes na hora em que foram liquidadas.
De acordo com Eugen Brysch, presidente do Movimento Hospice, a lei deixa os médicos de mãos livres para praticá-la de acordo com a sua própria interpretação do texto legal.
Brysche luta contra a legalização da eutanásia na Alemanha, onde ainda existe um forte tabu que dificulta a agenda da morte, afinal de contas, os nazistas praticaram eutanásia em larga escala contra deficientes físicos e mentais, judeus, ciganos e outras minorias.
“American Eugenics Society” foi um grupo que fez campanha aberta pela eugenia antes da II Guerra nos EUA. Os eugenistas estão entre os fundadores da Planned Parenthood, a famosa organização abortista americana.
“American Eugenics Society” foi um grupo que fez campanha pela eugenia antes da II Guerra nos EUA. Os eugenistas estão entre os fundadores da Planned Parenthood, a famosa organização abortista americana.
O problema do precedente
Depois de legalizar o aborto, a eutanásia e o infanticídio, a Bélgica já não tinha mais como impedir qualquer tipo de precedente, por mais bizarro ou absurdo que fosse.
Uma reportagem de junho deste ano narrou o caso de um jovem belga de 16 anos que pediu autorização para praticar a eutanásia “por não se aceitar gay”:
Sébastien diz ter feito terapia durante 17 anos, além de tomar remédios, e acreditar não ter outra opção. Ele afirma sentir atração por homens jovens e adolescentes e ter traumas de infância.
Por mais absurda que pareça a justificativa, Sébastien pode conquistar seu direito em breve, afinal de contas, “a lei belga estabelece que, para ter direito à eutanásia, os pacientes precisam demonstrar constante e insuportável sofrimento psicológico ou físico” .
É claro que, movidos por compaixão e empatia para com doentes terminais ou vítimas de sofrimento crônico, podemos manifestar simpatia pela descriminalização da eutanásia para adultos, por exemplo. Eu mesmo já tive muita simpatia pela proposta.
Mas, nestes casos, devemos fazer uma simples pergunta: o que vem a seguir?
Pois um fato escapa da nossa atenção quando nos envolvemos em dilemas morais que podem ser resolvidos com mudanças profundas: não existe decisão política isolada e cuja repercussão se encerra em seu próprio tópico.
Na esfera jurídica cada decisão gera uma jurisprudência. Na esfera política, cada decisão produz uma tendência. A eutanásia para adultos na Bélgica, por exemplo, abriu as portas para a eutanásia infantil. Ninguém sabe quais serão os próximos precedentes.
Cada decisão abre precedente para outra decisão. É como se estivéssemos em um labirinto sem fim no qual cada caminho leva a outro caminho desconhecido, e assim por diante.
Todas as decisões em favor da cultura da morte foram baseadas em uma versão moderna da postura filosófica conhecida como utilitarismo, advogada nos nossos dias por Peter Singer. Grosso modo, os utilitaristas defendem que devemos sempre buscar o prazer e evitar o sofrimento, o que é a negação da própria essência da vida.
Peter Singer é um dos líderes do movimento moderno de defesa dos direitos animais, e seu livro “Libertação Animal” é a obra máxima do movimento. Singer defende o fim de uso de animais em pesquisas médicas e, ao mesmo tempo, é estridente defensor da legalização do aborto.
Tudo isso usando critérios utilitaristas.
São portadores dessa esquizofrenia moral que nos pedem para abrir a porta do aborto, sabendo que em seguida abriremos outras portas, e chegaremos ao mundo bizarro sem sofrimento com o qual eles sonham.
Em algum momento a eutanásia autorizada pelo paciente abre as portas para a eutanásia ativa, aplicada por médicos convictos de que sabem o que é melhor para o paciente.
Com o precedente em favor do aborto, o Brasil já deu o primeiro passo na direção da desvalorização da vida e da consolidação da cultura da morte. Se começarmos a matar bebês, o que nos impedirá de matar velhos e doentes?
Nada, absolutamente nada.
Publicado em 2 de dezembro de 2016 por Thiago Cortes