Diante dessa iniciativa, duas questões devem ser analisadas. A primeira refere-se à sua real necessidade, e a segunda, à forma de realizá-la. A primeira questão envolve uma abordagem básica e conceitual: qual modelo de saúde pública o governo está buscando? Esse modelo atenderia as reais necessidades do povo brasileiro? São de conhecimento público  que a falta de recursos e a infra-estrutura são os dois grandes problemas  da saúde em nosso país. Há falta de leitos, de medicamentos, exames levam meses para serem marcados e realizados, pacientes não conseguem internação, ambulâncias permanecem paradas por falta de combustível, inúmeros hospitais públicos encontram-se deteriorados sem as mínimas condições para prestar atendimento qualificado.  Passam-se os anos, mudam-se os governos e continuamos vivendo diariamente com filas enormes e emergências abarrotadas de doentes, num processo crônico de desrespeito aos brasileiros e de profunda desvalorização da vida humana.

                O médico pé, na maioria das vezes, tão vítima quanto os pacientes, de uma estrutura falida e desorganizada, cruel e injusta. De que adianta ser cirurgião em um hospital com anestesista s e não ter fios cirúrgicos para operar um paciente com apendicite? De quem é a culpa da infecção que consome o paciente se ele não dispõe do antibiótico adequado para aquela  bactéria invasora? Quem é o culpado pela fila no pronto-socorro quando os honorários são tão abaixo do mercado que não se conseguem contratar médicos para o atendimento? Qual é o profissional que vai trabalhar por um salário aviltante? Não são os médicos que fazem a saúde. São vários varios profissionais que, juntos, podem promover um atendimento  de qualidade: psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, dentistas, fisioterapeutas, recepcionistas, motoristas de ambulância, paramédicos, biomédicos, faxineiros, técnicos de radiologia e também outros profissionais que são fundamentais para que os pacientes recebam atendimento adequado. Mesmo assim, se não estiverem inseridos em um ambiente adequado e com recursos necessários, de nada adiantará.

                Contratação de cubanos

 A contratação de 6 mil médicos estrangeiros para trabalharem no Brasil não vai modificar em nada as questões básicas que afetam a saúde do País, ao contrário, servirá apenas para maquiar o problema, protelando mais uma vez a necessidade de se debruçar corajosamente sobre essa questão.

Como parte da classe médica deste país, repetimos aqui os questionamentos e posicionamentos das nossas entidades representativas: “Qual o destino dos R$ 17 bilhões do orçamento do governo federal para a saúde, que não foram aplicados como deveriam, em 2012? Por que vetaram artigos da Emenda Constitucional 29, que se tivesse sido colocada em prática teria permitido uma revolução na saúde?”

                Falta de profissionais

Os protestos ocorridos nas últimas semanas em todo o País não pedem “médicos estrangeiros”, mas um SUS público, integral, gratuito, de qualidade e acessível a todos. É preciso reconhecer que a falta de investimentos e a gestão incompetente desse sistema afastam os médicos brasileiros do interior e da rede pública, agravando a crise. Existe falta de médicos no Brasil? Não, tanto é verdade que o próprio governo tem uma política de controle para abertura de novas faculdades de Medicina. Então, por que a dificuldade dos médicos de se fixarem nas pequenas cidades? Exatamente pela falta de política pública que favoreça e dê condições ao médico de atender nas regiões mais carentes.

É muito mais fácil responsabilizar o médico pelo caos da saúde do que assumir a responsabilidade, numa clara atitude de esconder o “lixo” embaixo do tapete ou  jogá-lo no pátio do vizinho. O governo tem de ter a honradez de assumir seus erros e enfrentar as conseqüências negativas de seus atos e não impor aos médicos uma situação calamitosa que diariamente são obrigados a suportar.

O que precisamos é de uma Medicina mais humana, que passa necessariamente pelos questionamentos de ordem social e ética. Uma Medicina pautada pelo respeito à vida e ao ser humano.  Respeito pela vida de nossos pacientes, pela vida das crianças, dos idosos e daqueles que estão para nascer. Mais do que tudo, uma mudança no olhar que possuímos do outro. Um olhar que exige atenção e respeito e que só acontecerá quando conseguirmos atender às suplicas das mães que choram a dor dos seus filhos doentes, dos idosos depositados nos corredores dos hospitais, das pessoas que madrugam para serem atendidas, dos que imploram um leito hospitalar, das inúmeras queixas que nos chegam todos os dias por um sistema de saúde mais humano e justo.

Autores: Gilson Luis Roberto  (AMERGS) e Décio Iandoli Jr. (AME-Mato Grosso do Sul)

Publicado em Folha Espírita julho 2013.